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Singularidade e Universalidade na filosofia kemética

O chamado “Livro dos Mortos”, com seus textos litúrgicos, revela a anterioridade dos Egípcios na apreensão da dialética entre a singularidade e a universalidade humana. É apenas por conta de uma noção de equivalente universal (representada pela pena da deusa Maat = Verdade, Justiça e ordem cósmica eterna) que é possível medir e julgar o coração do candidato à “akh”.

O chamado “Livro dos Mortos” = “Prt m hru” cujo a tradução mais precisa pode ser “Livro do sair para a Luz” ou “Saída para a Luz do dia” (escritos entre 4.300 3.300 anos atrás) é composto por um conjunto de cânticos litúrgicos e mandingas depositadas nos túmulos, juntos às múmias, para que estas pudessem encontrar o seu caminho para o além (o prolongamento da vida), onde o seu coração (ib), o trono da mente e da inteligência, seria julgado digno ou não de tornar-se “akh” (um espírito abençoado). 

Para além de evidenciar as raízes keméticas (egípcias) do sistema pitagórico, platônico e ptolomaico (bem como das chamadas grandes religiões do livro) e, sobretudo, por sugerir intrigantes proximidades cosmogônicas entre a noção de energia vital (Ka) – não confundir com a alma cristã -, e as noções de “Axé” (ioruba), “Ngunzo” (kimbundo) ou “Moyo” (kikongo), os textos (considerados um dos mais antigos do mundo) revelam a anterioridade deste povo (afro-Mediterrâneo) na apreensão da dialética entre a singularidade e a universalidade humana. É apenas por conta de uma noção de equivalente universal (representada pela pena da deusa Maat = Verdade, Justiça e ordem cósmica eterna) que é possível medir e julgar o coração do candidato à “akh”. Mas são os seus atos individuais singulares em vida (e não a providência divina ou uma predestinação) que definem o peso ou a leveza de seu coração. 


Assim, inaugura-se algo novo na história conhecida da humanidade: a noção de universalidade e singularidade, cujo a mediação são os atos realizados em vida. Uma versão empobrecida da noção de universalidade (destituída da noção de singularidade, mas acrescida de outros elementos, em cada caso) será posteriormente adotada pelos sistemas, judaicos e helênicos e, depois, cristão, representando a base, na modernidade para noção iluminista de “Homem universal” e depois, da “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, no ocidente capitalista do século XX. 


Deivison Faustino (03/07/21)

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