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Amém

O novo normal, Amém (poesia)

Amém 
.
Oh, deus de Amenofis, Mosheh e Atahualpa
Energia constante
cortante 
que cega
enquanto dá a luz!
Fonte de Carbono
(grande mãe da vida)
vibra 
atomicamente 
anatômico 
quântico! 
Cânticos
andores e júbilo 
ao deus Aton! 
.
Óh, 
Íris sagrada de Órus 
referencio-te 
fonte única de calor e hélio 
neste dia frio 
em que o sopro vital se esvai 
em meio a enterros solitários 
mortes sem luto

corpos sem alma caminham com suas faces nuas pela rua das lojas… 
olhares vazios 
sacolas cheias
prenhes de mais valor… 
.
80 mil caem ao meu lado
1.000.000 à minha direita
mas eu tenho sido atingido, 
a cada constelação que se apaga
sem fôlego e compaixão… 
Ocaso sufocante 
universo infinito de dor  
brota em mim 
pleno,
cada vez mais 
de um vazio congelante.

80 mil mortos 
assombram 
o meu novo celular 
e a calça nova com aparência de velha 
que acabei de comprar
junto com aquela bíblia (ou o livro sobre revolução) 
entregue em casa
não me importa como
nem por quem…

80 mil mortos 
em mim!
80 mil partes 
amputadas à faca cega
sem anestesia e compaixão
da minha própria carne ofegante pela insuficiência respiratória…
Não encontro ópio à altura de minha existência miseravelmente torpe… 

Quero chorar
GRITAR
fugir para bem longe 
em um lugar que nem eu me encontre
pixar uma nota de repúdio na face da lua 
e depois orar o salmo 109 
para os meus inimigos mais íntimos,
amigos distantes,
para mim mesmo! 
Mas as forças evacuaram, às pressas, o meu ser 
no exato momento em que eu aceitei
sem resistir 
a lei da gravidade:  
a gravidade da situação 
do genocídio naturalizado 
da futilidade “essencial”
de um oikos que blasfema contra a vida 
ao cultuar monoteísticamente 
o deus Dinheiro… 

Oh, Grande disco dourado 
que em outras épocas já matou miasmas e outras forças malignas 
Vos que recebestes silencioso 
o sacrifício de líderes sagrados e virgens inocentes
Tu, que testemunhastes indiferente 
a grandeza 
e pequenez humana 
ao percorrer o céu, sem sair do lugar, com sua impotente barca… 
Tu que assististes omisso, à vergonhosa luz do dia, 
o banzo, a maafa e aos holocaustos de ontem, hoje e sempre; 
Acolha esse insignificante pranto:  
quando nenhum ser vivente parece mais capaz de fazê-lo;
quando o ranger de dentes não encontra mais ouvidos
e olhos 
para se espantar;
quando 80 mil é o normal
que tende a se multiplicar 
geometricamente
exponencialmente 
quanticamente
sem luto; 
80 mil!
O Novo normal! 

Deivison Nkosi – Julho de 2020

Arte: Daniela Yohannes

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