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Apresentação do livro Pedagoginga, autonomia e mocambagem, de Allan da Rosa

O que dizer a respeito desse Malungo? Allan da Rosa dispensa apresentações uma vez que sua bela ginga entre a produção teórica e artística, estilo literário singular e provocações políticas sofisticadas marcaram definitivamente a presente geração. Entre os seus vários escritos, no entanto, Pedagoginga: autonomia e mocambagem, publicado pela primeira vez em 2013, é sem dúvida um livro digno de nota.

A proposta que anuncia, a partir da sistematização de uma experiência pedagógica realizada em um outro tempo, na encruzilhada entre várias noções de educação, é uma grande contribuição aos debates contemporâneos sobre a produção e difusão de conhecimentos e, sobretudo, à Educação das Relações Étnico-Raciais. Mais do que isso, seduz e nos conduz, tal como se faz em um jogo de capoeira de angola, a caminhos abertos ao diálogo simbiótico entre elementos distintos e algumas vezes, estranhos uns aos outros.

Se a pedagogia, enquanto ciência que trata da educação, tem sido corretamente criticada em sua dificuldade de incorporar a experiência e as concepções cosmológicas das culturas não-europeias em seu fazer-se, mas ao mesmo tempo, essas “outras”  concepções, por ela ignorada, preservam e resignificam “outras” pedagogias nem sempre reconhecidas enquanto tal, Allan da Rosa nos oferenda uma ginga  cravada na encruzilhada entre os saberes oficiais – mesmo que contra-hegemônicos – que se validam nas academia e os saberes teóricos adquiridos a partir da experiência vivida e os transmitidos e enriquecidos através das gerações.

Em sua pedagoginga a educação é pensada como dança sensual de saberes que nos convida a ouvir o técnico bioquímico e a cozinheira, o geografo e o sambista, o mestre de capoeira e o mestre stricto sensu em alguma coisa, e, sobretudo, entre os educadores e os educandos: os principais  sujeitos do jogo educativo, provocando a reflexão e aguçando curiosidades sobre questões estruturais a partir da cozinha ou de um movimento corporal.

O diálogo proposto entre estes saberes, mas também entre as várias formas de transmiti-los, validá-los ou coloca-los à prova, é mantido  como um jogo gingado onde  um elemento não precisa destruir o outro (o diferente), ao contrário, encontra nele uma forma de ir além de si sem perder a identidade e autonomia. É esse movimento de afirmação e negação, que pode ser tanto dengoso e sensual quanto bélico, que o autor denomida pedagoginga. Em suas palavras

a  miragem  da  Pedagoginga  é  firmar  no  fortalecimento de  um  movimento  social educativo  que  conjugue  o  que  é  simbólico  e  o que  é  pra  encher  a  barriga,  o  que  é  estético  e  político  em  uma  proposta  de  formação  e  de autonomia, que  se  encoraje  a  pensar  vigas  e  detalhes  de  nossas  memórias,  tradições, desejos […] (p. 15).

É interessante que se diga aqui que não se trata de um conceito abstrato elaborado a partir da revisão bibliográfica dos clássicos da educação – embora dele não prescinda – mas da necessidade de nomear uma experiência pedagógica que reuniu mais de 500 pessoas e distintas quebradas paulistanas. A pedagonginga aqui, não apenas um jogo de palavras, mas uma proposta curricular sofisticada que realmente pensa a educação como uma roda de capoeira… e como JOGO, só faz sentido quando executado na RELAÇÃO com a(s) outre(s) pessoa(s) envolvidas;

No entanto, como mostram o relato dos encontros e a memória dos saberes nele mobilizados, para ser pedagoginga, a epistemologia adota não se furta a assumir-se na encruzilhada. Esta dimensão epistêmica-espaço-temporal não pode ser tida, como comumente se lhes associam, ao fim da linha ou à enrascada, mas  sim, como fica evidente em cada experiência relatada, como abertura para possibilidades potentes, inconclusas, ambíguas, incertas e abertas entre razão e emoção, sensível e inteligível, tecnologia e tradição, oralidade e escrita, etc….

Essa oferenda cravada na encruza é um presente prazeroso em um momento de tanta polaridades brochantes e maniqueísmos empobrecedores. É ao mesmo tempo, uma crítica radical ao culto autofágico à academia – hoje isolada e apedrejada por projetos obscurantistas  – e, a negação do anti-intelectualismo barato que toma emprestado elementos acadêmicos para negar a academia em detrimento de um pretenso apoio intelectual (?) aos chamados saberes populares ou práticos. Longe disso, é o reconhecimento da validade de ambos os lados, mas, sobretudo, um convite ao jogo manhoso que ginga entre ambos sem perder-se de si.

Se aceitas uma dica de um Nego Véio, que ainda nem é tão véio assim, mas que também adora gingar entre esses campos todos: Pedagoginga é mais que um relato de experiências pedagógicas, mas um convite à encruzilhada de saberes.

Deivison Faustino, também conhecido como Deivison Nkosi – angoleiro, professor e pesquisador das relações raciais

*Trecho retirado do livro  Pedagoginga, autonomia e mocambagem, de Allan da Rosa. pp. 12-14

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